Resenha

(Ilustração) Úrsula - Maria Firmina - Fonte: O Feminino e o Sagrado - Heroínas do Brasil

ÚRSULA — Romance Original Brasileiro ― Por uma Maranhense — San’Luis — Na Typographla do Progresso, 49 — 1859*

Pronto já em 1857, começa a ser vendido somente em agosto de 1860, embora estampe o ano de 1859 na folha de rosto. Assinado apenas com a indicaçãoUma Maranhense”, trata do triângulo amoroso formado pela jovem Úrsula, seu amado Tancredo e por seu tio, o Comendador Fernando P., um senhor cruel que se impõe entre eles pela força e violência.  

No entanto, este é apenas o plano principal das ações, porque em Úrsula, temos uma narrativa sobre o amor trágico entre uma mulher branca e um homem branco, entremeada pelos dramas das escravas e escravos, e atravessada pelas questões da opressão das mulheres pelos homens.

Na primeira narrativa, o escravo Túlio salva a vida do jovem Tancredo e leva-o para a casa de Úrsula, que cura seus ferimentos. Na segunda narrativa, Tancredo descreve sua vida triste de decepções e amores traídos. Na terceira, a mãe de Úrsula, Luíza B., também conta sua vida de abandono, decorrido do fato de seu casamento ter sido feito sem o consentimento da família. E na quarta narrativa, a velha africana Preta Susana rememora como era sua vida na África, conta como se deu a sua transformação em escrava e como foi a sua viagem de travessia do Atlântico no porão de um navio negreiro. Entretanto, aqui, os planos se invertem e a tragédia coletiva dos negros cativos adquire maior relevância que a história pessoal de Úrsula e Tancredo.

Belmiro de Almeida. Arrufos (1887) óleo sobre tela, 89 x 116 cm. Museu Nacional de Belas Artes.
Belmiro de Almeida. Arrufos (1887) óleo sobre tela, 89 x 116 cm. Museu Nacional de Belas Artes.

Analisando essa estrutura narrativa, vemos um enredo ideologicamente subversivo dentro de outro enredo de temática abertamente sentimental, bastante aceito pelo público leitor da época. Isso sugere que Firmina tenha escolhido trabalhar intencionalmente com a técnica de encaixe de narrativas, que lhe permitia evidenciar a experiência das personagens secundárias (OLIVEIRA, 2001; ROSA, 2010; DIOGO, 2016).

A autora, portanto, teria “negociado” dentro dos parâmetros literários em vigor, as possibilidades de fazer emergir um contra discurso, crítico à realidade escravista do país, a qual, no plano artístico-literário, expressava-se por meio do “apagamento” dos negros enquanto sujeitos.

Composto por vinte capítulos acrescidos de epílogo e prólogo (que discute a condição da mulher autora), possui três deles dedicados especialmente a personagens negras: o capítulo IX, intitulado “A preta Susana”; o capítulo XVII, “Túlio” e “A dedicação”, título do capítulo XVIII, que realiza a apresentação do escravo Antero. Neles, Firmina inaugura no romance brasileiro do século XIX a narrativa em primeira pessoa de personagens negras – Susana, Túlio e Antero são, assim, as primeiras personagens literárias negras brasileiras constituídas e representadas como sujeitos de suas trajetórias.

Pra arrematar, Úrsula entra para a história da literatura nacional por ser o primeiro romance de autoria feminina publicado no Brasil, em volume único e formato de livro – provavelmente, formato brochura, pequeno, in 12.º, 198 páginas e mais o índice das matérias em uma página sem numeração (Anais do Cenáculo Brasileiro de Letras e Artes, 1973) -; por ser o primeiro romance de autoria feminina negra brasileiro; e ainda, por ser o primeiro romance em que personagens negras expõem, sem a intermediação de um narrador, suas visões de mundo e de liberdade, constituindo-se com isso, e para além disso, no primeiro romance antiescravista feminino da língua portuguesa, fato que o alça também à história da literatura universal.

Johann Moritz Rugendas. Desembarque de Escravos no Rio de Janeiro (1835), litografia. Acervo Banco Itaú.
Johann Moritz Rugendas. Desembarque de Escravos no Rio de Janeiro (1835), litografia. Acervo Banco Itaú.

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A primeira campanha de subscrição do romance teve início em 17 de outubro de 1857, no jornal maranhense “A Imprensa”, com a publicação da primeira resenha de Úrsula, intitulada “Prospecto”, assinada por O Caixeiro d’Alfaiate (SOUZA, 2017; XIMENES, 2018). De acordo com Sérgio Barcellos Ximenes, essa foi uma campanha fracassada.

Após isso, somente em 18 de fevereiro de 1860, terá início a segunda campanha de subscrição do romance, também no jornal “A Imprensa”. Diferentemente, essa será uma campanha bem-sucedida, pois em 1º de agosto de 1860, será publicado o primeiro anúncio de venda do livro Úrsula, ainda no jornal “A Imprensa”, acompanhado da segunda resenha do romance em jornal maranhense.

Outras resenhas foram publicadas nos seguintes jornais: “Jornal do Comércio”, 4/8/1860; “A Moderação”, 11/8/1860; “A Verdadeira Marmota”, 13/5/1861, além da apreciação publicada em O Jardim das Maranhenses, 30/09/1861.

Johann Moritz Rugendas . Negro e Negra n'uma Fazenda - Século XIX (litogravura s/ papel, 38,5 x 33 cm). Acervo Artístico-Cultural dos Palácios do Governo, São Paulo.
Johann Moritz Rugendas . Negro e Negra n’uma Fazenda – Século XIX (litogravura s/ papel, 38,5 x 33 cm). Acervo Artístico-Cultural dos Palácios do Governo, São Paulo.

Entre 18/2/1860 e 17/9/1862, foram publicados um total de cinquenta anúncios de Úrsula nos periódicos maranhenses “A Imprensa”, “A Moderação”, “Publicador Maranhense” e “A Coalição”.

Após esse período, outras menções à obra no século XIX foram feitas nos seguintes periódicos: “Semanário Maranhense”, 3/11/1867; “(A) Esperança” (MA), em 1871; “O Espírito-Santense” (ES), 4/11/1871, esta, a única menção a obras de Maria Firmina fora do Maranhão, na mídia do século XIX (XIMENES, 2018); “Publicador Maranhense”, 16/11/1875; e, finalmente, no “Dicionário Bibliográfico Brasileiro”, de Sacramento Blake, em 1900.

A publicação da segunda edição de Úrsula foi lançada em 1975, uma edição fac-similar organizada por José Nascimento Morais Filho, com texto e prefácio de Horácio de Almeida, em comemoração aos 150 anos de nascimento da escritora (segundo o conhecimento da época).

 

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* Luciana Martins Diogo, pesquisadora da obra de Maria Firmina dos Reis e organizadora do site. Graduada em Ciências Sociais (FFLCH/USP), com mestrado em Estudos Brasileiro (IEB/USP).

 

Referências Bibliográficas

  •  “A Primeira Romancista no Brasil”. In: Anais do Cenáculo Brasileiro de Letras e Artes ― 1973, março de 1974, páginas 72-74, Rio de Janeiro, GB, 1974 (autor anônimo).
  • DIOGO, Luciana Martins. Estruturas Narrativas: A Cabana do Pai Tomás e Úrsula”, p.90-105. In: Da sujeição à subjetivação: a literatura como espaço de construção da subjetividade, os casos das obras “Úrsula” e “A Escrava” de Maria Firmina dos Reis. Dissertação (Mestrado em Estudos Brasileiros) – Instituto de Estudos Brasileiros. Universidade de São Paulo, São Paulo, 2016.
  • OLIVEIRA, Cristiane Maria Costa de. A escritura vanguarda de Maria Firmina dos Reis: inscrição de uma diferença na literatura do século XIX. Dissertação de Mestrado em Teoria Literária, Faculdade de Letras,UFRJ. Rio de Janeiro, 2001.
  • ROSA, Soraia Ribeiro Cassimiro. “Um olhar sobre o romance Úrsula, de Maria Firmina dos Reis”. Literafro.
  • SOUZA, Antonia Pereira de. A prosa de ficção nos jornais do Maranhão Oitocentista. 329 Tese (Doutorado) – UFPB/ CCHL Programa de Pós-graduação em Letras (PPGL), da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), João Pessoa, 2017. 
  • XIMENES, Sérgio Barcellos.A História do romance Úrsula”. In: A Arte Literária – Blog sobre a história da literatura e a literatura em geral, 11/02/2018.

 

Johann Moritz Rugendas. Habitação de Negros (entre 1822 e 1825).
Johann Moritz Rugendas. Habitação de Negros (entre 1822 e 1825).