Maria Firmina dos Reis, maranhense de grandes feitos pioneiros, sobretudo como mulher, romancista, de origem negra, abolicionista, professora, compositora. 11 de março de 1822 é oficialmente sua data de nascimento; a data também é o Dia da Mulher Maranhense, instituída por Lei. Dia esse que escolhi para apresentar meu desenho e prestar minha gratidão.
Cabe aqui uns alertas para não confundir, porque confusões sobre Maria Firmina não faltam. Você pode encontrar algumas fontes datando equivocadamente 11 de outubro de 1825 como o nascimento da escritora. Um outro equívoco persistente é que ela ainda tem seu retrato associado a outra escritora, Maria Bormann, gaúcha e contemporânea de Firmina. Como surgiu isso não sei dizer, mas na verdade é possível constatar tal confusão em diferentes mídias, algumas inclusive reforçando a velha prática do embranquecimento de figuras negras.
Então qual seria a imagem de Maria Firmina dos Reis? Bem, o que se sabe ATÉ O MOMENTO é que não há nenhum registro fotográfico, escultórico, desenho ou gravura que tenha sido encontrado original- mente dela. O que se tem são tentativas, umas fundamentadas, outras aleatórias, outras de natureza quaisquer. Achei isso intrigante e ao mesmo tempo desafiador para um artista.
Alguns meses atrás dei início aos primeiros desenhos, guiados pela imaginação em paralelo com algumas leituras sobre o tema. Mais adiante me deparei com essa breve descrição, presente no livro “Maria Firmina: “fragmentos de uma Vida”, do curioso Nascimento de Morais Filho:
“Rosto arredondado, cabelo crespo, grisalho, fino, curto, amarrado na altura da nuca; olhos castanho-escuros; nariz curto e grosso; lábios finos; … morena.”
Que emoção! Cheguei até sonhar com o rosto dela. Juro e dou fé 😉
Bem, fui moldando o desenho e pesquisando um pouco mais. Outra fonte de grande aprendizado foi (e continua sendo) a página mariafirmina.org.br, idealizada e editada pela pesquisadora no assunto Luciana Diogo. Fiz contato com ela e nossas conversas mudaram algumas coisas no desenho, sobretudo quando a Luciana me chamou atenção para o seguinte detalhe, também no livro de Nascimento Filho:
“Maria Firmina vestia-se com roupas escuras.
Usava chale preto colorido”.
Eu já tinha desenhado Firmina com outra roupa da época; tive que refazer o desenho e compartilhei com a Luciana. Ela gostou e continuou a mandar outras referências; comprei mais livros e minha companheira Glori seguiu aqui imprescindível: la cabeza esta grande; el cuello también; a mi no me gustan las manos… :/
O trabalho amadureceu e ganhou em complexidade, assim como em responsabilidade, afinal existem muitos desencontros sobre a Maria Firmina dos Reis.
Vamos ao desenho
Aqui vos apresento a minha Maria Firmina. De mim também “não é vaidade adquirir nome que me cega”, o publico pelo sentimento de gratidão a ela por todos seus grandes feitos que, mesmo tardiamente reconhecidos, produzem impactos profundos. Impactos como o que eu senti, por exemplo, quando conheci a escrava Susana e suas dores, em Úrsula. Para essas dores, Susana, ilustro a luz do “sol que raiou hoje”, presente no “Hino à liberdade dos escravos”, composto por Firmina; uma luz de luta por dias melhores. Cantemos.
Firmina, eu abri páginas antigas, li e estive com você ali quando tu brincavas no quintal daquele lindo casarão histórico. Comprovei que realmente você tinha admiração pelas flores e por isso te oferto umas rosas e uns lírios da paz neste desenho.
Descobri ainda que você escrevia sobre a praia de Cumã e navegava ligeira por águas inquietas em busca daqueles olhos, olhos de certo volver, que neles querias viver e que te geravam alegria. Que olhos são esses, Fir-mi-na? Rum..! Não descobri, mas deixei teu sorriso registrado no desenho por tais olhos, pelo meu olhar. E esse olhar estava curioso e inquieto; queria mais.
Então mergulhei por outras páginas e descobri que a “Uma Maranhense” é você, de Guimarães, com aquela caligrafia de ductus firme, que possivelmente inspirou teus alunos. Ah! Eu amava a caligrafia de minhas mestras… Mas vem aqui, soube que criastes uma Nova Escola mista que fechou e depois seguiu no barracão de Mondego, em Maçaricó. É certo isso? Ali é a terra de meu pai! Eu nunca vou esquecer essa pequena ligação vimarense que nós temos. Como eu soube? Eu fui atrás de você e viajei no tempo, naquele barco à vapor, o Primavera. Encontrei inclusive seu “diário”, o Álbum, escrito em pequenas tiras de papel almaço; nele li coisas que me fizeram chorar, Diliquinha.
Eu desconhecia suas preocupações, aqueles apertos que temos no coração; seus desejos em atentar contra sua vida, no seu caso divinamente dissuadidos. Soube de sua enfermidade e a ausência de filhos biológicos. Mas também descobri seus muitos filhos adotivos e que você comia “beiju curuba”. Eu sei de cada coisa porque viajei no tempo: fui o galego no teu Pastor Estrela do Oriente, cantarolei suas músicas e fui mutuca no Boi Caramba. Por falar, essa estrofe desse boi é bem familiar aos maranhenses:
“senhora dona da casa,
eu também sou fumador,
mas a ponta que eu trazia,
caiu nágua e se molhou”.
E digo mais, você ficava ali na porta de sua casa e a molecada chegava pra tomar bênção. Aproveitei: Bença, professora Firmina: Deus lhe dê saúde, meu filho!
Em 11 de novembro de 1917 faleceu Maria Firmina dos Reis, cega e pobre. “Descansa das fadigas dessa vida” e que “a terra lhe seja leve”.
Valsa Rosinha – Maria Firmina dos Reis
Colaboração de Diana Villalobos, que gentilmente interpretou a partitura composta por Zequita, contida no livro Maria Firmina: fragmentos de uma vida, de Nascimento de Morais Filho. A Diana é costarriquenha, clarinetista graduada pela universidade Nacional da Costa Rica. Bolsista Icetex 2018 pelo Mestrado em Criação Audiovisual, Pontificia Javeriana, Bogotá Colômbia. Seu interesse atual reside na pesquisa e trabalho com diferentes mídias audiovisuais, assim como sonoras e de artes eletrônicas.
Wal Paixão
Waldeilson Paixão é graduado e mestre em Design pela Universidade Federal do Maranhão.
Foi professor substituto em Design do Instituto Federal de Educação Tecnológica – IFMA. Atualmente utiliza sua formação como suporte para desenvolver ilustrações ora aplicadas em camisetas, ora plicadas gravuras ou padrões de estamparia, todas focadas nas temáticas da cultura maranhense. Dedica atenção aos materiais, processos e experimentos que privilegiam o fazer artístico manual. “Trabalho com arte por inquietação da alma; me expresso por imagens que são construídas pouco a pouco, com muito carinho, persistência e paciência, alimentadas pela maré de conhecimento que chega, seja através de leituras, seja pela experiência ampla do viver”.